Preciso desabafar: eu tinha muito preconceito sobre saúde mental. E a grande vítima desse preconceito fui eu. Eu aprendi desde pequena que todas as pessoas são iguais. Eu cresci com crianças de todo tipo e por um tempo eu não soube o que era preconceito e porque as pessoas o tinham.
Eu acreditava com toda a força que todas as pessoas tinham o mesmo potencial, as mesmas habilidades e que, se eu me esforçasse o suficiente, não havia nada que pudesse ficar no caminho dos meus objetivos. Eu aprendi que você não deveria reclamar da vida e só transpor todas as dificuldades.
Eu tive uma infância muito boa. Eu fui à uma boa escola, meus pais estavam bem financeiramente e eu tinha tanta imaginação que qualquer criança queria brincar comigo… Até que meus colegas cresceram e eu… Eu meio que não.
Os próximos vinte anos da minha vida só podem ser descritos como inferno. O problema de ser criada por dois profissionais da saúde é que você aprende algumas coisas. Alguém sem conhecimento médico teria um ataque de pânico e correria para o médico. Eu sabia o que era da primeira vez que me atingiu. E eu fiquei envergonhada. Se tornou uma segunda natureza esconder de todos o que estava acontecendo. Era o meu jeito de “transpor minhas adversidades”. O problema é que quando você não lida com as coisas, elas não vão embora. Elas viram uma bola de neve incontrolável. Eu diminuía as minhas angústias. Eu ria quando eu queria chorar. Eu era forçosamente otimista, tentando sempre transpor as adversidades. Só tinha um detalhe… Ninguém conseguia ver quais eram as minhas adversidades, então era como se elas não existissem. Mas esse é o negócio do seu cérebro: não é porque você não o vê, que ele não existe.
Os efeitos de ficar fingindo estar tudo bem começaram a aparecer nos meus vinte anos. Eu comecei a ficar tão cansada, que eu mal conseguia trabalhar e estudar. Eu desisti dos meus sonhos, de todos os meus hobbies, de todas as coisas que eu amava. Eu não tinha energia para desenvolver todos eles. Logo eu comecei a me perguntar: qual é o objetivo de viver? Eu não conseguia fazer nada, eu me sentia inútil. Eu chorava todos os dias, procurando uma resposta, e o silêncio era o que eu recebia de volta.
Um dia, eu não aguentei mais. Não existia racionalidade o suficiente para me convencer a querer continuar vivendo. Eu tinha o meio, eu tinha o motivo, eu tinha a oportunidade. E de repente, sem nem perceber, meu marido salvou minha vida ao retirar a minha oportunidade. Esse foi o dia que eu finalmente comecei a levar minha saúde mental a sério. Eu não conseguiria batalhar com isso. Era literalmente uma questão de vida ou morte, e eu não ia vencer com força bruta. O que quer que estivesse acontecendo comigo, minha força de vontade estava sendo refém e eu não conseguiria vencer por mim mesma. Eu iria precisar de ajuda. Muita ajuda.
Hoje eu vejo que tive muita sorte. Minha vida poderia ter sido mais uma tragédia. Tudo por causa dos meus próprios preconceitos. Tudo por causa que é muito difícil falar sobre saúde mental. Eu não consigo parar de me perguntar… E se?
E se alguém tivesse me dito que todos somos diferentes? Que temos corpos diferentes, cérebros diferentes, histórias de vida diferentes. E se alguém tivesse me dito que ignorar pensamentos e sentimentos não faz eles irem embora? Eles vão ficar mais fortes, mais confusos e insuportáveis. E se alguém tivesse me dito que saúde mental é uma realidade e tão mortal quanto câncer? E se eu dissesse isso para você hoje? Será que eu salvaria a sua vida? Será que você salvaria a vida de outra pessoa? Hoje, eu vejo que falar é muito mais corajoso e difícil que transpor e batalhar. E é o único jeito que temos para parar de alimentar nossos preconceitos inconscientes. Porque, para tratar as pessoas como iguais, nós temos que primeiro entender como elas são diferentes.